Breno Melo - A Garota que Tinha Medo




Ficha técnica: A Garota que Tinha Medo
Autor: Breno Melo
Editora Chiado
Lançamento: 2014
277 páginas
POV: primeira pessoa - Marina
Gênero: Romance contemporâneo; drama

Protagonista: Marina Klassen Fernández
Local/ano: Assunção, Paraguai; Alemanha/atual (dos 18 aos 25 anos da personagem) 

"Marina é uma jovem que faz tratamento para a síndrome do pânico. Às voltas com o ingresso na universidade, um novo romance e novas experiências, Marina tem seu primeiro ataque de pânico. Sua vida vira de cabeça para baixo no momento mais inapropriado possível e então psiquiatras e psicólogos entram em cena. Acompanhamos suas idas ao psiquiatra e ao psicólogo, o tratamento farmacológico e a psicoterapia. Ao mesmo tempo, conhecemos detalhes de sua vida amorosa e sexual, universitária e profissional, social e familiar na medida em que elas são marcadas pela síndrome."


O que leva uma jovem de 18 anos a começar a sofrer um processo de ter medo de ter medo?

Sem querer apontar dedos para este ou aquele culpado, ao longo das 277 páginas, o autor vai descortinando o que leva Marina a sofrer de síndrome de pânico.
Também nunca leu um livro cujo tema central é este? Acredito, então, que como eu, você irá se surpreender com o muito que é passado aqui.


Marina estava terminando o Ensino Médio e se preparando para o vestibular para Jornalismo.
Preparar-se talvez fosse uma palavra branda demais para toda a pressão que ela vivia sob o domínio da mãe. Dona Carmem não deixava que Marina respirasse se isso significasse que ela não iria passar nas provas.
O alvo de Marina era a Universidade Católica, mas D. Carmem não satisfeita, a fez se inscrever para outras também. Ao todo foram 6 inscrições. Destas, ela passou em quatro.

Para conseguir descansar um pouco a mente, Marina fingia que ia dormir um pouco mais cedo à noite, quando ficava navegando pela internet. E foi assim que ela conheceu Júlio. 
Durante um bom tempo eles se comunicaram por esse meio, depois passando para os telefonemas. Apenas depois de muito custo, eles marcaram um encontro no shopping, e para surpresa de Marina, no final do encontro, ela descobriu que eles eram vizinhos no condomínio.

Passando no vestibular, começando as aulas na universidade de sua escolha, conhecendo umas amigas um tanto barra pesada, namorando, de repente Marina teve o seu primeiro ataque de pânico.
Tudo parecia absolutamente normal. Ela estava se preparando para sair com o namorado, que a esperava na sala. Veio a tremedeira, a respiração sufocada, a impressão de um infarto iminente, os gritos. Assim, foi dada a largada para uma agonia que se seguiria por uns bons - maus - anos.

"Sempre fui perfeccionista; nunca me contentei com outra coisa senão a perfeição. Eu não me queixava de nada e me esforçava para dar o melhor de mim em tudo, inclusive nas coisas mais tolas do dia a dia. E esse esforço, hoje eu sei, me desgastava. Fui dando o que não tinha, porque eu me preocupava demais, até que um dia arrebentei por dentro e precisei de conserto."

Primeiro o panicoso (sim, também achei o nome estranho) passa pela opressão de não saber o que tem. Os sintomas não são iguais em todas as pessoas. As pessoas ao redor acham que você está tendo ataques de frescura porque não há exatamente uma "dor". São vários os sintomas e ao mesmo tempo nenhum específico. Como classificar algo que vem do nada?
Depois, vem todo o processo de encontrar o diagnóstico. Que médico procurar?
Marina em sua primeira consulta no hospital foi diagnosticada como tendo "nada", apenas uma alteração na pressão.
As pessoas que têm a oportunidade se afastam, e foi o que aconteceu com Júlio, o primeiro a abandonar o barco. Aproveitando que seus pais teriam de mudar de cidade por conta de transferência de trabalho, ele partiu sem sequer se despedir dela.

"As pessoas se afastam pela ignorância. O panicoso se afasta pelo medo."

Apenas após o 5° ataque, que ocorreu em casa, também de repente, um médico disse do que se tratava e a encaminhou ao psiquiatra. 
A partir daí começa toda a peregrinação de Marina em conhecer o que lhe acometia e buscar soluções.

Nada é fácil. Toma-se medicamentos mas precisa se saber qual é o mais correto e dosagem.
O paciente precisa começar a encarar os seus medos ao invés de simplesmente fugir deles.
Os lugares nos quais Marina tinha tido ataques eram sumariamente evitados por ela. Com isso ela passou a ser uma pessoa bastante solitária, recebendo visitas das poucas amigas que restaram. Até mesmo a igreja passou a ser um local proibido. Mas entrou como parte do exercício de cura o retorno a esses lugares.
Mesmo dentro de casa Marina temia ficar sozinha e acabar sofrendo uma crise sem ter quem socorrê-la e ela trocou de quarto com seu irmão, na marra, porque não conseguia entrar no próprio (o que era um transtorno para ele porque o dela era pintado de rosa).

Sua janela para o mundo era o mundo virtual: seu blog literário, o Facebook e o Twitter.
Meses depois quando ela soube que a família de Júlio viria à cidade para passar o feriado, ela entrou em contato com ele querendo encontrá-lo, reatar a amizade. Ele foi direto e categórico em dizer que não queria vê-la porque ela era louca.

Com as consultas do psicólogo E psiquiatra, Marina começa a entender termos que nunca tinha pensado que fariam parte de seu mundo: desrealização e despersonalização; ansiedade antecipatória e esquiva fóbica; agorafobia, comorbidades.

"Mesmo que a síndrome do pânico não seja um transtorno de humor, mas de ansiedade, ela tem grandes semelhanças com a depressão."  

Marina resolva passar a compartilhar o que estava vivendo com outras pessoas através de seu blog. E aos poucos ela vai atingindo pessoas de lugares que ela nunca imaginou conhecer.
A partir desse gesto, ela pôde ver que não era a única a sofrer desse mal. Que outras pessoas desenvolviam outros sintomas secundários, como depressão ou TOC; que havia aqueles que tinham preconceito em procurar ajuda profissional para não serem qualificados de "loucos"; e mais outros que confundiam os sintomas da doença com possessão demoníaca. Havia todo tipo de história, todo tipo de compartilhamento. Por menor que seja, a ajuda é bem-vinda, e a luta é diária.

Aos poucos Marina foi retomando as rédeas de sua vida.
Os lugares que antes ela evitava por medo, conseguiram ser revisitados sem novas crises. Os estudos foram retomados. As crises foram espaçando.

"Comecei fazendo o necessário, depois o possível, e de repente eu estava fazendo o impossível."

Através de seu blog ela conheceu Davi. Sua irmã Sarah sofria da síndrome e por medo ou vergonha teimava em não fazer o tratamento da forma que daria melhor resultado. Acompanhar o blog de Marina deu a ele condições de entender melhor o quadro da irmã e poder ajudá-la.
Depois de muito tempo e empenho, Marina finalmente resolveu ceder ao apelo dele para conhecê-la. Do mesmo jeito que ocorrera com Júlio. Ela escolheu o mesmo shopping, mas desta vez a conexão foi diferente.

Já há algum tempo sem ter ataques, Marina e Davi vão a outra cidade para um festival de teatro. Ela fez questão de ir dirigindo porque esse prazer também lhe havia sido roubado pelo medo de um novo ataque no trânsito. No retorno, depois de um dia particularmente bom, ela teve uma crise. Davi soube como agir, ao invés de entrar em parafuso com ela e com vergonha - como Júlio havia ficado anos antes. E isso foi determinante para que o ataque dela não fosse tão severo e o relacionamento deles fosse adiante.

Alguns médicos não gostam de dizer que há cura para a síndrome, mas controle.
De uma forma ou de outra, há casos de pessoas que nunca mais têm novas crises. Há outros em que as crises são as chamadas "incompletas". Mas com o tratamento, há condições de se ter uma vida normal.

O livro é uma história fictícia, mas da forma que é narrado dá a impressão de ser autobiográfico.
Os detalhes que o autor fornece sobre as crises, sobre as conversas médicas, os nomes de medicamentos, o tempo que a personagem levou até se sentir segura novamente, são ricos.
Marina poderia ser a sua vizinha, a sua irmã, a sua namorada.

Desde o primeiro capítulo o leitor se sente arrebatado pela história.  
Procurar um culpado (o perfeccionismo, a mãe, os vicios) ajuda a entender a origem, mas no final, você terá de lutar com garras e dentes para vencer os sintomas que desgastam, maltratam, ferem, aniquilam, separam, não só o próprio panicoso, mas toda a família e os amigos.

Mas é um livro otimista. Ele não doura a pílula, ele não traz mágica ou milagre. Ele mostra que há um caminho nas pedras, basta o panicoso querer seguir (a conversa dela com o padre sobre a história de Jó é muito esclarecedora). E ainda bem, aqui, temos ainda direito a um pouco de romance e um final que dá esperança.

Uma leitura mais do que recomendada. Por não ser um material de leitura técnico, ele não se torna enfadonho. Na verdade é um ROMANCE. Recomenda-se a quem sofre da doença, a quem conhece quem sofre, a quem não sofre ou não conhece quem sofra, mas que queira se informar.

"Quem supera seus medos é mais corajoso que aquele que nunca os teve ou jamais os enfrentou."

5 ESTRELAS!!!

*Livro cedido pelo autor em troca de uma resenha de opinião honesta.


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